Como fazer uma definição? Um exemplo em Michel Foucault

Estudar Filosofia é uma série que extrai de trechos de livros práticas filosóficas que ocorrem em vários contextos e podem ser reaplicadas pelo estudante de filosofia (essa redundância). A prática é identificada em um texto, e pode ser redescoberta em tantos outros, criando linhas que podem ser percorridas sem ordem.

Aqui, o procedimento em pauta é o trabalho da definição.

Em Mal-Fazer, Dizer Verdadeiro, curso de Michel Foucault lecionado na Universidade de Louvain em 1981, o filósofo se propõe a discutir os modos de veridicção, isto é, as maneiras constituídas de do “dizer verdadeiro” (por exemplo, um julgamento é uma forma de “dizer a verdade”: somado à apuração policial e ao parecer dos jurados, o veredicto do juiz diz a verdade do caso), na sua relação com os modos de juridição, as maneiras constituídas de “dizer o que é justo” (o juiz, ao atribuir a pena, diz como a justiça deve ser reestabelecida). O caminho que ele escolhe para iniciar essa investigação é tratar da confissão, que, podemos ver logo, é um modo de veridicção, um modo de dizer a verdade. Desse primeiro momento das aulas, podemos extrair um exemplo da prática filosófica de trabalho da definição:

Um dicionário francês diz que a confissão é a declaração escrita ou oral por meio da qual se reconhece ter dito ou feito alguma coisa. E acrescenta como exemplo a confissão de um pecado. Parece-me que dessa definição se pode ficar com um quadro geral, a saber, que, na confissão, aquele que fala afirma algo a propósito de si mesmo. Mas, avançando um pouco, a definição deixa de parecer suficiente. Por um lado, diz pouquíssima coisa sobre o próprio ato de confissão. Declarar – ainda que solene ou ritualmente – que fez ou disse alguma coisa não basta para constituir uma confissão. Posso declarar que exerço uma profissão, e não será uma confissão. Posso reconhecer publicamente palavras que proferi; não será forçosamente uma confissão. Caberá então voltar para o conteúdo da afirmação, para a natureza da coisa afirmada, como sugere o exemplo do dicionário? A declaração da profissão será uma confissão se eu for traficante de drogas. Ou, então, reconhecer algo que eu disse será confissão se a coisa dita for uma mentira. Mas, dessa vez, será demais pedir e dar uma definição demasiadamente estrita. Afinal de contas, posso ter de confessar minha idade ou meu amor, uma doença ou um sofrimento. Enfim, a confissão é mais que uma simples declaração, mas é coisa diferente da declaração de um pecado cometido pelo sujeito falante. (p. 6)

Foucault usa um ponto de partida muito comum, o dicionário. Passa então a forçar a definição aí encontrada, encontrando várias ocasiões em que ela não se aplica. Esse procedimento demonstra que há algo de particular no conceito que não está sendo apreendido. No grau zero, ele encontra a declaração, que pode ter diferentes caracterizações. O que a define será, então, o conteúdo? – é o que ele se pergunta a seguir. E encontra que nem tanto a matéria declarada, mas a situação dela determina o ato de confessar. A confissão, até aqui, é vista como uma declaração peculiar, que expressa um assunto dotado de um certo status. As exigências do conceitos estão dadas.

A partir dessa crítica preliminar, como você, então, definiria a confissão?

Procure responder sem recorrer ao livro, depois vá a ele.

Referência

FOUCAULT, Michel. Mal fazer, dizer verdadeiro. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018.

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